IGREJA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS PRETOS PASSARÁ PELA 1a VEZ POR OBRAS, QUE INCLUEM IMPLANTAÇÃO DE MUSEU COM PEÇAS DE VIEIRA SERVAS. TRABALHO DURARÁ 18 MESES.

 

Mariana – Da janela de casa, na Praça do Rosário, a professora aposentada Maria Ra- quel Cardoso Reis pode ver, sem esforço, a fachada da Igreja de Nossa Senhora do Ro- sário dos Pretos, templo erguido pela mão escrava em 1752. Tem sido assim nos últi- mos 50 anos, desde a adolescência, mas, agora, a paisagem colonial ganhou um tom diferente que faz os olhos da coordenadora pastoral brilharem de alegria e esperança. “Esperamos mais de duas décadas”, afirma a moradora de Mariana, na Região Central, sobre o início do restauro da construção barroca, na qual se destacam altares escul- pidos pelo português Francisco Vieira Ser- vas (1720-1811) e o forro da capela-mor de autoria de Manuel da Costa Ataíde (1762- 1830), o Mestre Ataíde.

Quem entra na igreja, distante cinco mi- nutos do Centro, encontra operários mon- tando andaimes para a intervenção – a pri- meira, no município, do Programa de Ace- leração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas. De acordo com informações da Prefeitura de Mariana, contratadora dos serviços a partir do repasse de R$ 1,6 milhão (para os elementos artísticos) do governo federal, via Ministério da Cultura e Institu- to do Patrimônio Histórico e Artístico Na- cional (Iphan), a obra deverá durar 18 me- ses, contando ainda com a implantação no local do Museu Vieira Servas.

A deterioração ao longo do tempo se tornou a principal responsável pelo retra- to atual da igreja. O chefe do escritório do Iphan em Mariana, arquiteto e engenheiro Felipe Pires, relaciona os piores problemas, entre eles a infestação de cupins e outros insetos xilófagos, madeira envelhecida, perda de pintura, infiltração devido à água de chuvas e até ação humana. Pires acres- centa que o projeto tem três partes interli- gadas: restauração dos bens artísticos, o que significa todo o conteúdo interno do templo – o serviço estará a cargo do Insti- tuto Cultural Flávio Gutierrez (ICFG); o res- tauro do prédio, cujo projeto se encontra em análise pelo Iphan, em Brasília (DF); e o projeto luminotécnico, com elaborada téc- nica de iluminação, também a ser conduzi- do pelo ICFG. Pires diz que o prédio não ofe- rece riscos e que a intervenção da estrutura deverá começar ainda este ano.

O arcebispo da Arquidiocese de Maria- na, dom Geraldo Lyrio Rocha, ressalta a im- portância da iniciativa. “Aguardamos mui- to essa restauração e agora os fiéis poderão

esperar ansiosamente o término das inter- venções”, disse dom Geraldo.

Entusiasmada com o restauro, a presi- dente do ICFG, Angela Gutierrez, enaltece a excelência dos elementos artísticos da igre- ja, em especial do legado de Servas, o qual considera “majestoso”, e a implantação do futuro museu com a obra do artista. “É um restauro que demanda mão de obra muito especializada. Vamos ter a presença de jo- vens formados no programa Valor Social, no Museu de Artes e Ofícios, em Belo Hori- zonte”, adianta. Profissionais e aprendizes de Mariana também estão devidamente re- crutados para participar do projeto.

CAPELA-MOR Um dos pontos mais degra- dados da Igreja de Nossa Senhora do Rosá- rio dos Pretos é o forro da capela-mor, com a pintura da Assunção de Nossa Senhora. Ela apresenta desprendimento da policro- mia, perda de madeira e outros danos que entristecem os fiéis. Dá pena ver tudo des- pencando, mas Maria Raquel, que se mu- dou para a casa vizinha à igreja quando era adolescente, vindo do distrito de Cachoei- ra do Brumado, sabe a razão. “A gente sem- pre tem algum receio, porém a mão de Deus segura tudo. A pintura está machuca- dinha, mas vai ficar boa”, acredita.

A coordenadora pastoral da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus revela que todos os moradores estão “felizes demais da conta”. Com tantos anos de trabalho, Maria Raquel está certa de que a comunidade tem sido fun- damental para conservar o seu bem maior. “Nossa igreja é muito dinâmica, temos mis- sas, batizados, movimentos pastorais, enfim, há sempre atividade. O melhor é que não pre- cisará ser fechada nesse período”, afirma.

Conforme a prefeitura, das oito cidades mineiras inscritas no programa do gover- no federal, Mariana é a que garantiu o maior volume de recursos – R$ 67 milhões, com 15 ações aprovadas, entre elas, a res- tauração da Catedral da Sé, que começará em janeiro, e da Igreja de São Francisco de Assis. Criado para desenvolver e proteger o patrimônio, o PAC das Cidades Históricas destina recursos à recuperação e revitaliza- ção das cidades, à restauração de monu- mentos e ao desenvolvimento econômico e social, bem como ao suporte às cadeias produtivas locais. Segundo o governo fede- ra, ao todo, serão investidos cerca de R$ 1,6 bilhão em 44 cidades brasileiras, destinados a 425 obras de restauração.

 

POR DENTRO DO TEMPLO

A IGREJA

» Localizada na Praça do Rosário, a Igreja de Nossa Senhora dos Pretos foi construída entre 1752 e 1758 por iniciativa das irmandades de São Benedito, de Santa Efigênia e do Rosário. Erguida em alvenaria, ela pertence à terceira fase do barroco mineiro, o estilo rococó. O templo foi construído em alvenaria de pedra. Os destaques internos vão para as obras do pintor Ataíde e do escultor e entalhador Servas.

O ENTALHADOR

» Francisco Vieira Servas (1720-1811) – Nascido em Portugal, trabalhou como entalhador e escultor em madeira nas igrejas de Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas; no Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos e de Nossa Senhora da Conceição, em Congonhas; e de Nossa Senhora do Rosário, de Mariana. Criou estilo próprio na concepção dos altares, com destaque para um elemento denominado arbaleta (arremate sinuoso)

O PINTOR

» Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), o Mestre Ataíde, nasceu em Mariana. Conforme estudiosos, ele trabalhou muitas vezes nas mesmas obras que Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814), embora não necessariamente ao mesmo tempo. Era branco, autodidata, filho de português e brasileira. Um fato desconhecido para muitos é que Ataíde foi militar, atuando como alferes de cavalaria. Foi na Igreja de São Bartolomeu, no distrito de São Bartolomeu, em Ouro Preto, que ele começou a pintar, nos momentos de folga.

Fonte: Jornal Estado de Minas

12/01/2016