Dedicado a Sant’Ana, museu em Tiradentes destaca o papel da mulher no imaginário cristão.

“Você fica sem referência nenhuma. É a peça na mão e o seu olho”. Assim Adriano Ramos, do Grupo Oficina de Restauro, define a difícil missão de atribuir características como idade e origem a cada uma das 291 imagens que compõem o acervo do Museu de Sant’Ana, que será inaugurado sexta-feira, em Tira- dentes. Exclusivamente dedicado à mãe de Maria, ele foi instalado na antiga Cadeia Pública. O centenário edifício ganhou projeto arquitetônico de Gustavo Penna, museografia de Pedro Mendes da Rocha e iluminação de Pedro Pederneiras.

As peças pertenciam à empreendedora cultural An- gela Gutierrez, que se tornou a gestora do espaço. To- das as imagens foram doadas para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a exemplo do que ocorreu com os museus de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte, e do Oratório, em Ouro Preto. Ambos os acervos foram reunidos pela empresária.

“Formei a coleção ao longo da minha vida. Em certo instante, vi que ela era muito forte e importante, tendo em vista o imaginário brasileiro”, afirma Angela.

Quase todas as imagens são brasileiras, criadas entre os séculos 17 e 19. A maioria veio de artistas anônimos, que usaram madeira, terracota, pedra, metal e gesso como matéria-prima. No minucioso trabalho executado por Adriano Ramos foram identificadas peças de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo (a mais antiga), Goiás, Maranhão e Pernambuco.

Tudo começou com o primeiro oratório que Angela ganhou do pai, Flávio Gutierrez, hoje guardado no Museu do Oratório, em Ouro Preto. “Dentro dele tem uma Sant’Ana. Sempre fui fascinada por aquela iconografia: a figura da mãe, com duas mulheres. Isso representa a força da mulher na fé cristã. A minha única filha se chama Ana”, observa a empresária.

MINIATURAS Angela Gutierrez chama a atenção para três imagens incomuns do acervo: as da Sagra- da Família com Maria ainda criança; e as de Sant’Ana com o marido, São Joaquim – a representação do casal as torna raras. “Há miniaturas muito lindas e especiais. Tem uma Sant’Ana de apenas três centímetros. O imaginário barroco e brasileiro é importante, rico, criativo e único no mundo”, diz.

Adriano Ramos ajudou a montar os museus de Artes e Ofícios e do Oratório, além da instituição que se- rá aberta em Tiradentes. “Desta vez, minha participação foi muito peculiar, pois a minha especialidade é o imaginário. Angela tem um olhar muito apurado, é uma colecionadora muito especial”, diz ele.

Foram necessários três meses para identificar cada uma das quase 300 peças. Todas receberam descrição, avaliação estilística e análise do estado de conservação. “Não conheço uma coleção só de Sant’Anas. Em termos de público, isso dá uma visibilidade muito boa. Criadas de norte a sul do país, as peças geralmente não têm autoria definida, o que mostra a força enorme da arte popular no Brasil. As pessoas se identificam com elas, são as faces do povo”, avalia Ramos.

Em Portugal, Sant’Ana costuma ter duas representações. A mais comum, vinda do Norte, influenciou fortemente os artesãos mineiros. “É geralmente a matrona, sentada com um livro no colo, ensinando as primeiras lições a Nossa Senhora. Na Bahia, por outro lado, é diferente: Sant’Ana está de pé, mas também com o livro, pois ele é o mote do ensinamento”, conclui.

 

REVITALIZAÇÃO

As obras na antiga Cadeia Pública de Tiradentes começaram há cerca de dois anos. O projeto de Gustavo Penna contemplou espaços e adequações para que o edifício pudesse receber visitantes. Foi criado o Largo de Sant’Ana, num lote vizinho transformado em espaço de convivência e para eventos. Construída por volta de 1730, a cadeia foi atingida por um incêndio em 1829. O restauro conservou estrutura, portais e grades originais, mas as fachadas foram reconstruídas de acordo com os padrões neoclássicos da época.

 

FÉ POPULAR

Esposa de São Joaquim, Ana era mãe de Maria de Nazaré. Censurado por um sacerdote por não ter filhos, Joaquim se retirou para o deserto para fazer penitência. Deus ouviu suas preces e enviou um anjo para anunciar que atenderia ao seu pedido. A resignação com que o idoso casal suportou a esterilidade foi compensada com o nascimento de Maria, mãe de Jesus Cristo.

 

Fonte: Capa caderno Cultura – Jornal Estado de Minas

15/09/2014