Num dos vários acontecimentos na casa de Angela Gutierrez, sua filha Anna ficou espantada de Dhiogo Lima, seu então namorado (marido e pai de sua primeira filha, que está chegando), não me conhecer ainda: “Como você não a conhece, ela é a irmã mais velha da minha mãe”. Anna sabe dos laços que me unem a Angela, que se não são de sangue, são de amizade, companheirismo, respeito, compreensão, admiração e muito mais. Ao longo da vida, temos nos acompanhado bem de perto, na alegria e na dor. Ela nunca falha, como eu tento não falhar.

E é por isso que acompanho de perto todos os seus sonhos e projetos, dos quais ela não desiste, por sorte nossa e do país. Quando inaugurou o Museu do Oratório, em Ouro Preto, não pude estar presente porque estava internada no Mater Dei. Mas tão logo chegou, ela foi correndo me visitar. Da abertura do Museu de Artes e Ofícios participei, e, muito antes de ele ser aberto oficialmente, estive lá com ela, visitando tudo, palpitando quando era possível. Todo mundo sabe que o país não tem nada igual, todas as peças foram doadas por Angela e começaram a ser colecionadas por seu pai, Flávio.

O Museu de Sant’Ana, que será inaugurado na sexta-feira, em Tiradentes, é resultado de uma batalha de mais de três anos, que ela enfrentou sem esmorecer contra todos os empecilhos colocados – acreditem – por entidades oficiais, as que deviam, em primeiro lugar, incentivar seu projeto, raro neste país. Ela foi enfrentando tudo: concorrência desleal, toneladas de inúteis ofícios, pedidos de projetos e mil e uma doideiras que ocupam a burocracia que tem que mostrar trabalho. A mania de impedir é tão grande que até um museu paralelo foi montado rapidamente na cidade – e terminou no maior bafafá.

Angela foi levando, tentando resolver tudo, até o dia em que optou por jogar a toalha, deixando de lado o sonho de abrir, ao lado de sua casa, o museu dedicado à sua santa de cabeceira. A população de Tiradentes foi para sua porta, num dia em que recebia a ministra da Cultura, Marta Suplicy, pedir para que não desistisse do projeto. Só a partir daquele dia a ministra percebeu o tamanho da carga que Angela carregava para doar à cidade uma coleção única.

A partir de então, a cadeia de Tiradentes começou a receber as transformações necessárias para abrigar as mais de 250 imagens que ocuparão seus humildes quatro cômodos. O prédio é mínimo e teve que ser substancialmente apoiado em outros espaços, uma vez que a arquitetura inicial não pode ser modificada. Assim foi feito. Estive lá no mês passado e, como sempre, só encontrei louvores. Como o anexo que vai funcionar como a entrada do museu, composto por um espaço imenso, onde estarão o guarda-volumes, o café, a área destinada a possíveis exposições. Na área externa foi construído um pátio para concertos e recitais.

Os cômodos do museu foram aparelhados com sistema de refrigeração especial, as vitrines para as peças menores têm prateleiras de vidro e só Deus sabe a metodologia necessária para que tudo funcionasse na maior perfeição. Todo o piso recebeu a forração original (as peças antigas vieram de longe) e até uma parte do passeio lateral deu um trabalhão para ser reformado, sem ferir a sensibilidade dos órgãos de proteção aos bens tombados. As pedras originais tinham sumido, substituídas por cimento. A iluminação de Paulo Pederneiras foi especialmente estudada para destacar o prédio à noite e as salas de exposição durante o dia.

Preocupação de que poucos se lembram: cadeirantes têm espaço de acesso ao prédio. Para montar o elevador, uma parede de pedra maciça (mais de um metro de largura) teve que ser cortada, com todo cuidado. Os aparelhos de ar-condicionado foram pintados de verde para se adaptarem aos ambientes (sob forte resistência dos produtores). Até quem vai administrar o café do museu foi criteriosamente seleciona- do: a missão ficou com Zenilca de Na- varro, dona do delicioso restaurante Tragaluz. Ao lado fica o Paco & Baco, que já criou um prato em homenagem ao museu: bacalhau de Sant’Ana.

 

Fonte: Coluna Ana Marina – Jornal Estado de Minas

15/09/2014