Aprendizes na área de conservação se debruçam sobre 3,3 mil obras dos séculos 18 e 19 e recebem a supervisão de especialistas que, há anos, ajudaram a recolher as relíquias.
A paixão pelos livros, mapas e documentos raros favorece um encontro de gerações na mais antiga casa de cultura de Be- lo Horizonte e permite que um acervo valioso para pesquisa seja preservado com total dedicação. No ano em que completa 104 anos–10 a menos que a capital–,o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHG-MG) realiza um projeto em parceria com o Instituto Cultural Flávio Gutierrez (ICFG) para conservação de 3,3 mil obras de coleções especiais e centenas de manuscritos dos séculos 18 e 19. Há preciosidades que fazem qualquer um ar- regalar os olhos, como um recibo datado de 1784 e assinado de próprio punho pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), herói da Inconfidência Mineira. Ou o desenho de um retábulo feito no século 18 para uma igreja de Itaverava, na Região Central.
Sob a supervisão de especialistas e munidos de trinchas, borrachas macias, espátulas e bisturis, jovens recém- formados no curso do programa Valor Social, do ICFG, mantêm os olhos fixos nas páginas e se entrosam perfeitamente com os experientes associados da instituição centenária localizada na Rua Guajajaras, 1268, no Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul. “É um lugar muito agradável. Há registros tão interessantes que dá vontade de ficar só lendo. Pe- na que não há tempo suficiente para isso”, diz Rafael da Silva Almeida, de 19 anos, morador de Nova Lima, na Grande BH. Ao lado, Nívia Bernardi- na de Morais, de 22, residente no Gra- jaú, na Região Oeste, conta que trocou a profissão de manicure pela de assistente na área de conservação de bens culturais e está gostando. “Aprendo muito aqui”, afirma.
A oportunidade de pôr em prática os conhecimentos adquiridos no curso e fazer a conservação preventiva também entusiasma Jéssica Aparecida Ferreira, de 20, do Bairro Vera Cruz, na Região Leste, e Rafaela de Souza Justino, de 20, do Bairro Bom Jesus, na Região Noroeste. No IHG estão quatro jovens, enquanto outros cinco trabalham, com o mesmo material, no Museu de Artes e Ofícios (MAO), na Praça Rui Barbosa
(da Estação), que dispõe de labora- tórios e equipamentos essenciais para a empreitada.
Satisfeito em ver o tratamento dado aos documentos e a parte do acervo da casa – a Biblioteca Copérnico Pinto Coelho tem mais de 20 mil volumes –, o presidente benemérito da instituição, Herbert Sardinha Pinto, mostra aos jovens o primeiro livro de atas, datado de 1907, ano da fundação pelo então presidente de Minas João Pinheiro (1860- 1908). “Estamos felizes pelo trabalho de cooperação, pois sem ele seria im- possível fazer a conservação do acervo. Temos aqui muitos documentos da Conjuração Mineira e já fizemos doação de cópias de 200 deles até para o Museu da Inconfidência, em Ouro Preto”, orgulha-se o professor.
MEMÓRIA Também acompanhando o trabalho, o secretário-geral do instituto, Carlos Alberto Carvalhaes, destaca o valor desse patrimônio para a memória de Minas e lembra que o objetivo da casa é preservar a história e a geografia, estar aberta para pesquisas e atender a sociedade. Entre as cópias que seguiram para Ouro Preto estavam certidões de cartórios de países africanos referentes à exumação dos restos mortais de seis inconfidentes, certificações dos traslados das cinzas, que ocorreu em 1936 durante o governo do presidente Getúlio Vargas (1883-1954) e outros.
A etapa atual, iniciada em outubro, foi precedida de outra de suma importância para a conservação do acervo. Durante três anos, o segundo diretor da biblioteca, Márcio Jardim, fez a leitura de toda a coleção Documentos antigos e especiais do IHG. Ele conta que os papéis estavam misturados, sem ordem cronológica, sendo necessárias a organização e catalogação detalhada. Essa organização permite agora uma compreensão maior do acervo, a conservação e, posteriormente, a pesquisa. As sucessivas trocas de sede, até 1967, serviram para embaralhar a documentação. Com 100 associados, alguns de outros estados e países, o Instituto Histórico e Geográfico é reconhecido como entidade de utilidade pública federal, estadual e municipal e dispõe, além da biblioteca, de pinacoteca, mapoteca e museu.
■ JOVENS APRENDERAM NO PRÓPRIO INSTITUTO
A presidente do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, Ângela Gutierrez, explica que o trabalho é fruto de um termo de cooperação mútua firmada entre as duas instituições. Ela lembra que os jovens carentes que fizeram o curso de seis meses oferecido pelo Valor Social, sob a coordenação do especialista Adriano Ramos, do Grupo Oficina de Restauro, podem trabalhar como assistentes de profissionais de conservação. “Além das aulas de teoria e prática, a turma estuda química, português, matemática e outras disciplinas”, explica Ângela. Além de Ramos, que atua como coordenador técnico do projeto, os jovens são orientados nessa empreitada pe- las especialistas em conservação e restauração Fernanda Alves Guerra e Thaís Cristina Coelho Carvalho.
Fernanda acredita que até dezembro o trabalho de conservação dos 3,3 mil volumes e documentos guardados em 35 caixas estará concluído. Já foram higienizados 40% e acondicionados 45% do acervo. O trabalho feito até agora inclui higienização, remoção de poeira, desinfestação para matar insetos xilófagos (cupins e traças), remoção de materiais danosos, como clipes e grampos, e, finalmente, o acondicionamento. “Estamos fazendo a prevenção e não a restauração. Há livros em estado de muita fragilidade, que demandam o restauro”, afirma.
BOLHA ASSASSINA
Numa das salas do IHG-MG, de frente para a Praça Raul Soares, a equipe montou uma bolsa, que está hermeticamente fechada, selada e feita de plástico especial. O objetivo é exterminar os insetos de livros e documentos. O processo é o seguinte: num período de 25 a 30 dias, as obras ficam dentro da “bolha”, que mede 6m x 2m, na qual é introduzido um gás inerte (nitrogênio). Com a consequente falta de oxigênio, os bichos morrem. Esta é a segunda etapa, com 1 mil volumes tratados a cada vez. Todas as coleções são formadas por meio de doações.
LINHA DO TEMPO
1907
Em junho, é criado o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHG-MG)
1907
Em 15 de agosto, o presidente de Minas, João Pinheiro,
faz a instalação do IHG-MG num prédio na Avenida Afonso Pena, em cima do Bar do Ponto
1940
IHG-MG passa a funcionar num porão, em más condições, da Avenida Augusto de Lima
1945
Acervo fica guardado até 1967 em casa particular, no prédio de um banco e no Arquivo Público Mineiro
1967
Transferência para a sede atual, na Rua Guajajaras, 1268, no Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul de BH
2009
Em maio, o IHG-MG doa cópias de 200 documentos relacionados à Conjuração Mineira ao Museu da Inconfidência, em Ouro Preto
2011
Em 3de outubro, começa o serviço de conservação de 3,3 mil livros e documentos raros, em parceria com o Instituto Cultural Flávio Gutierrez
Fonte: Jornal Estado de Minas
13/11/2013