Minas detém 60% do patrimônio tombado brasileiro e tem déficit em mão de obra na área de conservação e preservação; curso ajuda a suprir demanda.
Você já deve ter ouvido falar nas cidades históricas mineiras, como Ouro Preto, Mariana, São João Del Rey, Tiradentes e Diamantina. Pois é. Minas Gerais detém 60% do patrimônio tombado brasileiro e apresenta grande déficit de mão de obra especializada na área de conservação e restauração. Para suprir isto, dois cursos foram criados em 2008: o Bacharelado em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e o Curso de Qualificação de Jovens na Área de Conservação, criado pelo Programa Valor Social, do Instituto Cultural Flávio Gutiérrez (ICFG).
Enquanto o bacharelado demanda que as pessoas se inscrevam no vestibular e façam a prova para o ingresso na UFMG, o curso de qualificação se destina a jovens ou adultos com interesse na área. Desenvolvido pelo Museu de Artes e Ofícios, ele prescinde de nível de escolaridade específico. Esta é a quinta edição, e 120 alunos já passaram por lá. Naila Mourthe, coordenadora do Valor Social, conta como o projeto afeta a vida da população da região metropolitana de Belo Horizonte:
“Percebemos que hoje a maioria ou está inserida diretamente trabalhando como auxiliar de conservação do patrimônio ou com algum vínculo empregatício. São pessoas com baixíssimas perspectivas de ingresso np mercado de trabalho, alunos com baixa escolaridade que agora estão inseridos neste universo. Já temos mais de quatro alunos no curso superior. Além da nossa preocupação com o aprendizado, valorizamos muito a educação como uma possibilidade de atenção social e agente transformador. É muito gratificante ver alunos que vivem em zonas carentes de uma série de fatores mudarem suas vivas com a chance de um trabalho. Este curso traz um novo olhar sobre a própria vida. Quando eles passam a cuidar zelosamente dos objetos do patrimônio, começam a questionar e melhorar a própria vida”, ressalta.
Com duração de seis meses, o curso tem 450 horas/aula e oferece disciplinas específicas da área de conservação, incluindo outras complementares, como história, química, física, biologia, fotografia, informática, ética e cidadania.
A Fundação Dom Cabral ajuda o ICFG, ministrando palestras e disciplinas de empreendedorismo, colaborando para que os alunos ajustem suas finanças pessoais. Para garantir a permanência dos estudantes no curso, cada um deles recebe bolsa-auxílio, vale-transporte, uniforme, lanche e material para as aulas. A assiduidade nos últimos anos foi de 98%, e 80% dos ex-alunos estão trabalhando.
Kelvin Martins tem 20 anos. Em 2008, quando tinha 16, ficou sabendo do curso através de um amigo. Ele não sabia muito do que se tratava, mas fez sua inscrição ainda assim. “Fiz o curso de seis meses e essa experiência mudou minha vida. Hoje, trabalho no Museu de Artes e Ofícios fazendo visitas orientadas a grupos de visitantes e estou no terceiro período de museologia na UFMG. Trabalho também com fotografia, que aprendi através do curso de restauração. Quando eu entrei no Ensino Médio, queria concluí-lo e pronto. Não tinha perspectiva de continuar estudando. Hoje penso diferente”, reforça Kelvin.
Naiara Gonçalves também tem 20 anos e se cadastrou no Sistema Nacional de Emprego (Sine) de Nova Lima, sua cidade. Lá, fizeram uma avaliação de seu currículo e viram que Naiara tinha estudado durante um breve período História da Arte e a chamaram para participar do curso de restauração do museu. “Quando terminei, em agosto, já tinha concluído o Ensino Médio. Então me preparei para o vestibular e entrei na UFMG agora para cursar Conservação e Restauração. Estou gostando muito, aprofundando o que tinha visto no museu”, conta.
Nívia Bernardina de Morais é mãe de dois filhos, Roberta e Gabriel, com 3 e 2 anos, respectivamente. Ela também deixou seu currículo no Sine de Belo Horizonte e como gostava de pintura, também foi chamada para a seleção do curso de restauração.
“Aprendi muita coisa, não foi só restauração, tive aulas de português também. As pessoas foram muito compreensivas em relação aos meus filhos, que na época eram pequenininhos. Um mês após a formatura, comecei a trabalhar no Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais. Aqui eu mexo com papel, faço higienização e processo curativo, por exemplo. Mas no curso aprendi a restaurar igrejas também. É muito bom poder estar trabalhando e cuidar dos meus filhos. Até hoje tenho dificuldade de encontrar pessoas para deixá-los, mas recebo muita ajuda. Ano que vem pretendo voltar a estudar, meu filho vai estar maior e vai ser um pouco mais fácil de deixá-lo com as pessoas, assim poderei me aperfeiçoar.”
Fonte: Globo.com
11/05/2012